Muito Além do Hype: Um Roteiro Realista para Líderes diante da GenAI em 2025 e no Futuro

O cenário atual está saturado de declarações arrojadas e demonstrações chamativas feitas por entusiastas da inteligência artificial – muitas vezes, porém, sem a devida responsabilidade. Esse entusiasmo exagerado alimentou expectativas distorcidas sobre as reais capacidades da GenAI. Executivos têm sido levados a crer que os modelos de linguagem generativa e de grande porte serão o epicentro de uma nova era de “empresas nativas de IA”, prontas para reinventar negócios e destravar crescimento exponencial. No entanto, essa revolução ainda está longe de se concretizar para a maioria das organizações. Uma pesquisa da Cisco realizada no início de 2025 com mais de 2.500 CEOs revelou que, embora 97% tenham planos de incorporar IA em suas operações, apenas 2% se consideram realmente preparados para isso.

O problema é que discursos eufóricos frequentemente ocultam os desafios reais da adoção de IA, negligenciam suas limitações e reduzem sua complexidade a uma visão simplista. Isso faz com que muitas empresas avancem sem uma compreensão clara dos custos e obstáculos. Quando essas iniciativas falham – o que não é raro – a credibilidade da tecnologia é minada, bem como a confiança nos profissionais que promovem sua adoção de maneira responsável. É hora de abandonar a fantasia e focar no que realmente importa: enfrentar as realidades práticas para que a IA possa, de fato, trazer resultados sustentáveis.

O Panorama Real e Baseado em Dados da Adoção da GenAI

Superar o otimismo exagerado exige ancorar as decisões em dados concretos. Um estudo do Boston Consulting Group, divulgado no final de 2024 e baseado em entrevistas com 1.000 líderes executivos, mostrou que 74% das empresas ainda não avançaram de forma significativa em suas iniciativas com IA – muitas estão empacadas na fase de testes e protótipos. Em diversas situações, a implementação se limita a apresentações para investidores e conselhos, com pouca ou nenhuma ação efetiva. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que a tecnologia ainda não amadureceu o suficiente para atender às elevadas expectativas criadas.

Mesmo entre as organizações consideradas avançadas em IA, apenas 4% conseguiram desenvolver soluções robustas que entregam valor consistente. Outros 22% começaram a perceber alguns benefícios, mas só após anos de investimento. E esse levantamento inclui todas as vertentes de IA, o que sugere que os números da GenAI, especificamente, são ainda mais modestos. De fato, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, apontou que o retorno da GenAI, neste momento, é praticamente nulo.

Esse padrão não é isolado. A Deloitte, em seu relatório do terceiro trimestre de 2024, identificou que apenas 32% dos experimentos com GenAI evoluíram para a produção, com os demais enfrentando obstáculos como falta de confiabilidade, preocupações com privacidade e segurança. No setor público, a taxa de adoção não ultrapassa 3% em nenhuma função de negócio. A McKinsey, por sua vez, mostrou que apenas 11% das empresas pesquisadas haviam adotado a GenAI em escala até o fim de 2024.

Ou seja, a adoção da GenAI está muito aquém das promessas feitas por seus defensores mais entusiasmados. Para a maioria das empresas, ela ainda é apenas um experimento, e seu impacto revolucionário no mundo corporativo continua distante. Alcançar essa transformação exigirá tempo, esforço em treinamento, ajustes culturais e avanços tecnológicos substanciais.

Modelos de Implementação: Lições da IBM e da BMW

Os líderes que realmente desejam transformar suas organizações com GenAI enfrentam dois grandes desafios: construir uma estratégia prática e garantir que ela esteja em sintonia com os valores da empresa. IBM e BMW ilustram bem como isso pode ser feito com seriedade e profundidade.

A IBM adota uma abordagem metódica, focada na operacionalização da IA, estruturada em oito passos:

  1. Definir objetivos concretos, convertendo problemas em metas mensuráveis.
  2. Avaliar os dados disponíveis, priorizando qualidade, consistência e conformidade regulatória.
  3. Selecionar a tecnologia adequada, considerando o tipo de tarefa a ser automatizada.
  4. Montar uma equipe capacitada, integrando técnicos e profissionais com visão de negócio.
  5. Estimular uma cultura de experimentação, com pilotos para validação de ideias.
  6. Estabelecer diretrizes éticas, com foco em segurança, privacidade e eliminação de vieses.
  7. Testar rigorosamente os modelos, com indicadores de desempenho claros.
  8. Planejar para escalar e evoluir, preparando a solução para o crescimento organizacional.

Mas operacionalizar é apenas uma parte do desafio. A BMW, por exemplo, complementa a execução técnica com uma dimensão ética e humana clara, com cinco princípios orientadores:

  • Respeito à coexistência entre humanos e sistemas digitais.
  • Compromisso inegociável com a segurança dos dados e do uso da tecnologia.
  • Promoção da transparência e cooperação como base para confiança.
  • Inclusão e capacitação contínua para democratizar a IA.
  • Sustentabilidade digital voltada ao bem-estar ambiental e social.

Para a BMW, a IA deve ampliar o bem-estar humano, e não apenas aumentar a eficiência. A verdadeira transformação ocorre quando os líderes equilibram a execução técnica com o propósito humano.

GenAI Não é Varinha Mágica – É Tecnologia com Limites

No mundo corporativo real, empresas como IBM e BMW precisam lidar com ambientes incertos, ambíguos e voláteis. Por isso, embora o potencial da GenAI seja promissor, ela ainda está sendo aplicada de forma limitada, em testes pontuais. A tecnologia não é infalível: pode cometer erros graves, reforçar preconceitos e até causar danos quando aplicada sem supervisão rigorosa.

Há casos absurdos e perigosos – como um chatbot sugerindo cola como ingrediente culinário ou um sistema de IA duplicando indevidamente uma dosagem médica. Embora empresas como a OpenAI estejam investindo pesado no aperfeiçoamento dos modelos, especialistas admitem que as chamadas “alucinações” dos LLMs ainda não são plenamente controláveis – e quanto mais sofisticadas se tornam as respostas, mais difícil é identificar essas falhas.

Essa limitação é uma razão forte para manter a GenAI afastada de decisões críticas sem uma supervisão humana sólida.

A Falácia da Transformação Instantânea

Existe também o mito de que a GenAI irá, em pouco tempo, derrubar estruturas hierárquicas tradicionais e impulsionar organizações dinâmicas, baseadas em times fluidos. A realidade é bem menos glamorosa. Hierarquias continuam sendo necessárias para garantir clareza, responsabilidade e escalabilidade, especialmente em empresas grandes e complexas.

Sim, a IA vai transformar funções, e sim, alguns cargos intermediários vão desaparecer. Mas essas mudanças serão graduais. Gestores intermediários, por exemplo, passarão a atuar mais como facilitadores entre humanos e máquinas, coordenando tarefas híbridas e aproveitando o melhor dos dois mundos.

A transformação será evolutiva, e não revolucionária. E será lenta, complexa e cara. Entre as barreiras mais comuns estão:

  • Alto custo de implementação, incluindo tecnologia e talentos.
  • Infraestrutura de TI defasada, muitas vezes incompatível com os requisitos da IA.
  • Dependência de dados limpos e consistentes, algo que muitas empresas ainda não têm.
  • Resistência dos funcionários, seja por medo de substituição ou desconfiança.
  • Riscos de governança, como vieses e brechas de segurança.
  • Problemas de confiabilidade, que exigem validação constante e intervenção humana.

Esses desafios tornam a transformação algo que se mede em anos – não em meses. É necessário encarar o processo com realismo, paciência e disciplina estratégica.

Como os Líderes Podem Gerar Valor Real com IA

Liderar com IA exige foco estratégico e execução pragmática. Os líderes mais bem-sucedidos serão aqueles que trocarem o espetáculo pela substância e priorizarem ações baseadas na realidade da própria organização. Eis alguns princípios fundamentais:

  • Escolher casos de uso bem definidos, com alto potencial de impacto. Começar pequeno, mas com foco.
  • Adotar uma mentalidade de aprendizado contínuo, testando e refinando as aplicações conforme os dados e os resultados surgem.
  • Investir fortemente em dados, garantindo que a base sobre a qual a IA opera seja sólida, limpa e bem governada.
  • Capacitar as pessoas, não substituí-las. A IA deve ser usada para amplificar o talento humano, e não para substituí-lo.
  • Estabelecer governança sólida e ética, com comitês interdisciplinares voltados à segurança, privacidade e conformidade.
  • Ter visão de longo prazo, evitando promessas vazias. Resultados sustentáveis virão com esforço contínuo e bem direcionado.

Conclusão

A era da GenAI pode, de fato, inaugurar uma nova fase nos negócios – mas não sem liderança consciente e realista. As organizações mais bem preparadas para esse futuro não serão as que surfam no hype, mas as que sabem distinguir o que é relevante do que é ruído. O verdadeiro sucesso virá da paciência, da clareza estratégica e do compromisso com as pessoas e com os resultados mensuráveis.

Referência

California Management Review: Cutting Through the AI Hype: The Facts Leaders Need to Know About GenAI Adoption and Return on Investment, by Brian R. Spisak and Gary Marcus.

👥 Vamos conversar! Você já está trabalhando com GenAI na sua organização? O que tem funcionado? O que ainda parece um desafio? Compartilhe suas experiências e aprendizados nos comentários.

📌 Se este artigo fez sentido para você, curta e compartilhe com colegas que também estão tentando navegar pela IA com realismo e estratégia.

Um Roteiro Estratégico para a sua Empresa

Um roteiro estratégico é uma ponte que conecta estratégia e execução. Permite visualizar as iniciativas e os principais resultados a serem entregues ao longo do tempo para alcançar os objetivos estratégicos.

O objetivo é descobrir novas estratégias imaginativas que possam reescrever as regras do jogo competitivo; e vislumbrar futuros potenciais, significativamente diferentes do presente.

Roteiro Estratégico

Tal roteiro não é um plano detalhado de execução, nem um gráfico de atividades com datas precisas de início e fim. Ele descreve o que a organização deve mudar e por que essa mudança é necessária para alcançar os objetivos estratégicos. Ele comunica o “Porquê” e “O que” mas não o “Como”.

Podemos trabalhar tal roteiro em três etapas simples, começando com um Diagnóstico interno e externo da situação atual da empresa, do mercado, da concorrência, das tendências, das regulamentações, e outros pontos relevantes ao negócio; seguido de um levantamento de Alternativas, ou seja, possibilidades de melhorias, mudanças e até mesmo transformação; e finalmente pela Escolha, com a priorização e decisão criteriosa das iniciativas a seguir.

Etapas de um roteiro estratégico

DIAGNÓSTICO (Onde estamos?)

Diagnóstico Estratégico

Diagnóstico Interno:

  • Análise financeira é necessária (onde estamos fazendo dinheiro? onde não estamos bem?);
  • Análise do modelo de negócios e capacidades (forças, fraquezas e a relação delas com o desempenho financeiro)

Diagnóstico Externo:

  • Analisar o que os concorrentes atuais e os emergentes estão fazendo, o que está acontecendo competitivamente em temos de: cadeia de valor de fornecedores, parceiros, competidores, distribuidores, clientes e, especialmente, novos entrantes e potenciais substitutos.
  • Analisar o mercado e os clientes: Onde estão as oportunidades de crescimento? Como estão evoluindo os desejos, necessidades e hábitos dos clientes? Quais as tendências tecnológicas, econômicas e legais? Que tipos de novos segmentos de mercado estão emergindo?

ALTERNATIVAS (O que podemos fazer?)

Alternativas Estratégicas

  • Que tipo de movimentos são necessários para melhorar o desempenho? Considere tanto movimentos incrementais quanto radicais em mercados adjacentes, novos segmentos para os produtos, excelência operacional e reestruturação do portfólio.
  • Que tipos de modelos de negócios são necessários para suportar os movimentos de desempenho? Considere: modelos de negócio que incrementam a customização da proposição de valor, começando algo pioneiro através de cocriação; aumento de eficiência no sistema de entrega de valor, considerando a eficiência em volume e do ecossistema. Se possível, combine rapidamente uma nova proposição de valor com um novo sistema de entrega, para vencer a concorrência.
  • Que tipo de experimentos são necessários para dar aos modelos de negócio um verdadeiro diferencial competitivo? Se preciso, use inovação aberta, explorativa e ágil, que serão úteis para rejuvenescer o negócio
  • Que tecnologias novas, emergentes e até mesmo a combinação delas poderiam ser usadas para apoiar uma verdadeira transformação digital do negócio, buscando um melhor engajamento do cliente?
  • Aqui temos a oportunidade de trocar o pensamento linear vigente para buscar um crescimento exponencial.

ESCOLHA (O que faremos?)

Escolhas Estratégicas

Liderar é decidir. Líderes devem focar o esforço organizacional. Devem selecionar um número limitado de iniciativas estratégicas a partir das alternativas possíveis, considerando o potencial de criação de valor versus custo, risco e tempo para implementação. Devem considerar a melhoria de desempenho atual, novos modelos de negócios para amanhã, e experimentos em diferencial competitivo para depois de amanhã.

Riscos de execução devem ser considerados na escolha, pois dependem de que capacidades serão necessárias e de que oportunidades serão desenvolvidas. Incentive uma cultura de apoio às capacidades. Considere ainda as aquisições que precisam de integração e outros fatores específicos da organização. Experimentos fora-da-caixa que colidem com a cultura existente têm que superar o obstáculo da integração ou devem ser desmembrados em novas empresas ou em parcerias com startups.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Este roteiro é muito útil para dar uma direção para a empresa e seus negócios, mas em seguida, será necessário  operacionalizar as estratégias desenvolvidas por meio do pensamento estratégico deste roteiro na etapa de execução.

Se gostou, por favor, compartilhe! Abraço, @neigrando

Se precisar de facilitação ou consultoria no desenvolvimento de sua estratégia organizacional, entre em contatoaqui

Sobre o autor:

Nei Grando é diretor executivo da STRATEGIUS, teve duas empresas de tecnologia, é mestre em ciências pela FEA-USP com MBA pela FGV, organizador e autor do livro Empreendedorismo Inovador, é mentor de startups e atua como consultor, professor e palestrante sobre estratégia e novos modelos de negócio, inovação, organizações exponenciais, transformação digital e agilidade organizacional.

Detalhes: aqui, Contato: aqui.

Links Relacionados: