Redes sociais existem na sociedade antes mesmo da existência da Internet. Elas são grupos ou conjuntos de relacionamentos, onde cada pessoa é um nó da rede que é conectado a outros nós da rede pelo relacionamento que uma pessoa tem com a outra. Normalmente as pessoas participam de redes sociais compostas de colegas do trabalho, “irmãos” da igreja ou amigos de algum clube, pessoas da família e parentes, amigos mais próximos etc. É claro, porém, que algumas pessoas pertencem a mais de um destes grupos, causando assim algumas conexões entre eles.
Mas essas redes foram além, pois agora participamos destas também de forma virtual, a partir de ferramentas ou aplicativos, como Facebook, LinkedIn, Instagram, Twitter, etc. [1] Os fornecedores destes aplicativos “gratuitos” e seus investidores e patrocinadores se utilizam destas redes de pessoas e seus relacionamentos como um canal de mídia, tornando-se o que conhecemos por mídia social, usada segundo os interesses dos proprietários de tais canais e dos anunciantes. Essas mídias sociais e seus algoritmos passaram a nos conhecer e a ter influência significativa sobre nós. Elas mapeiam nossa navegação, os posts com os quais interagimos e como reagimos diante deles (curtir, gostar, reportar), além de observarem as informações de texto, fotos e vídeos que publicamos
É natural que nos relacionemos com pessoas, marcas e canais de mídia que compartilhem dos mesmos gostos, interesses, ideias e visões de mundo de que a gente. Mesmo antes da existência da web, fazíamos isso em nossos círculos sociais e hábitos de consumo. A diferença é que, com os algoritmos avançados de inteligência artificial e técnicas usadas em jogos, estas “redes sociais” observam com quais pessoas e marcas a gente mais se relaciona e passam a escolher quais conteúdos a gente vê, sem que a gente nem perceba. Enfim, nosso comportamento nesses espaços, somado à capacidade algorítmica desses aplicativos, nos coloca em agrupamentos invisíveis a nós, conhecidos como “bolhas”.
Uma bolha de filtro é constituída relacionando interesses comuns entre as pessoas que pertencem a ela e os interesses do sistema que a criou. O interesse do sistema é exercer influência ainda maior de retenção e de mídia às pessoas que pertencem a estas bolhas. Então, ao longo do uso de tais aplicativos ou ferramentas de mídia social, as pessoas sem se darem conta ficam parcialmente presas a estas bolhas, sofrendo a influência delas sobre si e, querendo ou não, influenciando e reforçando ideias e informações às outras pessoas que estão nas bolhas. [2]
Outro ponto importante a se considerar é que, ainda que existam elementos positivos em agregar pessoas com interesses em comum, ou com semelhanças significativas aos anunciantes que as veem como potenciais consumidores, tais divisões podem intensificar desigualdades e conflitos já presentes na sociedade. Quando as pessoas são, sem ciência disto, segregadas em linhas de pensamento, modos de comportamento, classes sociais ou até mesmo raças e etnias, de modo que recebem apenas um número restrito de informações, conhecimentos e experiências, é bastante possível que se tenham problemas sociais e políticos por consequência.

Fonte: Diagrama de Rede Social. Credito: Daniel Tenerife/Wikipedia
Como saber se estamos em uma bolha social?
Quando vemos opiniões conflitantes em nosso feed de notícias (timeline) isto pode causar desconforto e angústia. Não ter contato com outras visões de mundo, porém, pode nos levar a percepções distorcidas da realidade.
Imagine que, ao entrar na sua rede social favorita, você se depare com um post de alguém conhecido que o deixa desconfortável. Pode ser um meme zombando de seu candidato político, uma proclamação com a qual você discorda sobre um assunto delicado, como controle de armas, ou mesmo uma foto de alguém vestindo ou fazendo algo que provoque grande zombaria. Diante disso, você por acaso pensa: “vou silenciar as postagens desse sujeito”, “cancelando” seu amigo sem pensar duas vezes? Talvez, a princípio, você até sinta um alívio de poder voltar a ver seu feed de amigos que pensam exatamente como você, com anúncios totalmente direcionados aos seus desejos, mas, sem perceber, você acabou de fortalecer sua bolha de reforço.
Sim, nós contribuímos para a formação das bolhas, somos parcialmente culpados por nossos feeds altamente selecionados, mas como vimos antes a culpa não é toda nossa. Vejamos algumas explicações mais detalhadas de especialistas sobre as responsabilidades das partes envolvidas.
Nós selecionamos nossa própria bolha
Nós temos uma tendência natural de nos cercarmos de pessoas que pensam como nós.
“Sentimos pensamentos conflitantes como um desconforto psicológico considerável. A varredura cerebral revelou, de fato, que a dissonância cognitiva ativa áreas emocionais como a ínsula anterior e o córtex cingulado anterior dorsal ”, diz Don Vaughn, neurocientista do departamento de Psicologia da UCLA. “Visto que preferimos evitar experiências negativas, não é surpresa que as pessoas evitem o desconforto psicológico imediato da dissonância cognitiva simplesmente por não ler ou ouvir opiniões divergentes.”
A autora acrescenta, ainda, que há um gasto de energia envolvida nessa tendência. Essencialmente, o processamento de novos fatos, ideias e perspectivas requer um esforço neural significativo. Em outras palavras, ele força nosso cérebro a reconfigurar sua teia de conexões para entender, avaliar e potencialmente incorporar o novo conhecimento ao qual se está sendo exposto.
Algoritmos de mídia social filtram a realidade
O outro fator, que não deve ser subestimado, é a “bolha” da mídia social, um termo cunhado pelo ativista da internet Eli Pariser. Em sua palestra viral no TED, ele definiu essa “câmara de ressonância” como um “universo pessoal e único de informações em que você vive online. E o que está em sua bolha depende de quem você é e do que você faz. Mas a questão é que você não decide o que entra. E o mais importante, você não vê de fato o que é editado”.
Os gigantes da mídia social, incluindo Google, Facebook e Twitter, usam algoritmos secretos que estão sempre mudando, o que acaba criando essas bolhas que filtram informações.
“Os algoritmos são propositalmente complicados para garantir que a pessoa média não os descubra”, diz Lisa Strohman, psicóloga clínica licenciada e fundadora da Digital Citizen Academy, uma organização dedicada a ajudar as pessoas a encontrar o equilíbrio entre suas vidas e a tecnologia moderna . “Sabemos que existem vários métodos em que os anúncios são configurados e exibidos. A maior delas é a coleta de dados que nós, os usuários, fornecemos voluntariamente ou não. Isso permite que os gigantes controlem ou manipulem o preço da publicidade e até mesmo publiquem seus próprios anúncios ou narrativas, se assim desejarem”.
Dica: Se você estiver curioso, este exercício pode lançar uma luz parcial às suas bolhas de filtro: vá para o feed do Facebook, clique na seta para baixo à direita e vá para Configurações. A partir daí, clique em Anúncios, em seguida, em Suas informações e em suas categorias. Isso revela uma lista de dados que o site tem sobre você para fins de publicidade de terceiros, que vão desde suas inclinações políticas a hobbies, renda familiar e a probabilidade de você se envolver com determinado conteúdo político.
“A realidade é que todas as plataformas agora nos alimentam constantemente com conteúdo que se alinha aos nossos próprios interesses, amigos e sistemas de crença. Eles são capazes de pegar o que navegamos ou postarmos e nos enviar de volta nossos próprios pensamentos coletados de outros seguidores de mídia social, como se tivéssemos centenas e milhares de amigos que se sentem da mesma maneira”, diz Strohman.
O problema com as bolhas
Antes de ignorar a noção de bolhas – considere seus perigos potenciais, conforme sugestão de Wendy Rose [3]:
- Superestimamos a prevalência de nossa perspectiva: “Nosso cérebro constrói um modelo do mundo a partir das interações com nosso meio ambiente. Se todas as nossas interações forem unilaterais, o modelo do nosso cérebro será tendencioso”, diz Vaughn. Seria mais ou menos como se estivéssemos todos assistindo a um filme com o mesmo título, mas com histórias completamente diferentes. Esta é uma suposta razão pela qual muitos republicanos ficaram chateados com os resultados das eleições de 2020 nos EUA, pois superestimaram as chances de vitória de seu candidato.
- Nossa empatia pelos outros diminui: “Minha pesquisa neurocientífica sobre empatia ressalta o fato de que simples noções de‘ nós ’e‘ eles ’ afetam como nosso cérebro processa a dor de outra pessoa. Quando ‘eles’ estão com dor, simulamos menos sua experiência e mostramos menos empatia”, diz Vaughn. Em última análise, reforçar nossas próprias crenças nos endurece em relação aos outros.
- Inibe o diálogo autêntico e a mudança verdadeira: “Reforçar nossos sentimentos e pensamentos atuais nos faz sentir melhor”, diz Strohman, “mas, ao fazer isso, também perdemos a capacidade de elevar nossas ideias e colaborar nas principais questões que nossa nação está enfrentando.” Discutir abertamente e, mais importante, ouvir uns aos outros sobre questões polêmicas tem mais chances de promover ideias e soluções que melhoram nosso mundo.
Como contornar bolhas de reforço
Embora exista pouco que possamos fazer para impactar os algoritmos existentes, podemos dar passos em nossas vidas pessoais para estourar nossa bolha de reforço, ou pelo menos permitir que outros entrem nelas, conforme sugestões de Wendy Rose [3].
- Ajuste os filtros que você pode controlar: Gerenciar nossos filtros, especificamente em relação às fontes de notícias, é extremamente importante. “Encontrar fontes menos tendenciosas ou se concentrar em ouvir dois feeds separados de forma equilibrada pode ser muito útil para obter uma perspectiva importante”, diz Strohman. Reconsidere tudo que te alimenta de informação, como os seus livros, podcasts, estações de rádio, revistas e jornais também.
- Evite excluir aqueles com os quais você discorda: mesmo que você não esteja se envolvendo ativamente com esses conhecidos, expor-se a uma variedade de pensamentos o impede de superestimar a prevalência de sua própria perspectiva.
- Envolva-se com alguém que tenha pontos de vista diferentes: “Procure alguém que você possa respeitar e que seja informado, que tenha uma visão oposta à sua posição”, diz Strohman. “Isso pode ajudar a descobrir e compreender nosso preconceito oculto em nossas origens.”
- Evite a alienação participando de debates, fóruns e comícios: seja um fórum aberto para sua associação de bairro ou um comício político, participar de eventos locais onde você pode interagir com as pessoas em tempo real abre a porta para um diálogo autêntico e novas perspectivas. Vá com a intenção de ouvir, não de discutir.
E quanto aos silos organizacionais, seriam eles como bolhas sociais?
Ao pensarmos e refletirmos sobre bolhas sociais, isso pode nos remeter a seguinte questão: Os silos organizacionais também não seriam, do ponto de vista de pessoas, cultura e relacionamentos, algo parecido com tais bolhas sociais?
O ritmo de mudança atual exige equipes mais colaborativas e inovadoras. Nesse sentido, a empresa deve buscar superar os silos e apoiar a interação multifuncional eficaz entre as equipes.
Quando as equipes saem de seus silos, a organização tem uma chance melhor de sucesso a longo prazo.
Segue abaixo algumas estratégias do artigo de Ian Cornett [4] que podem ajudar a quebrar silos e promover uma colaboração multifuncional em toda a organização:
Comunique uma visão unificada
Frequentemente, os silos organizacionais se formam porque as metas individuais ou departamentais se tornaram extremamente prioritárias e muito importantes, fazendo com que os funcionários percam de vista os objetivos mais amplos da empresa. Uma visão unificada, que é amplamente comunicada entre os funcionários, ajuda os indivíduos a compreenderem que as metas individuais e de equipe são secundárias à visão organizacional.
Para organizações que se acostumaram a operar em silos, a visão precisará ser comunicada com frequência e em diferentes meios para que permaneça como prioridade. Quando as pessoas têm uma visão geral, podem começar a entender seu lugar único na organização, bem como o de outras pessoas. Com o tempo, o foco em si mesmo e na equipe se expandirá para incluir outros indivíduos e equipes que também fazem parte da visão da empresa.
Crie responsabilidades compartilhadas
Uma vez que uma visão unificadora tenha sido estabelecida e comunicada, ela precisa se traduzir nos comportamentos cotidianos de equipes e indivíduos para se estabelecer. As equipes podem se beneficiar por terem metas compartilhadas que as unem, em vez de dividi-las. Por exemplo, uma organização pode alinhar as metas do departamento de TI com as de outros departamentos para garantir o uso mais eficiente dos sistemas internos de TI. Para quebrar ainda mais os silos organizacionais, também pode ser útil ter duas ou mais equipes trabalhando juntas em uma força-tarefa que termina com uma apresentação conjunta para a alta administração.
Reúna as equipes
Romper silos organizacionais e aumentar a colaboração entre equipes não acontece por si só, mas será mais provável quando os indivíduos tiverem oportunidades de interagir e trabalhar juntos. Reuniões conjuntas, grupos de foco e sessões de bate-papo podem fornecer aos funcionários a oportunidade de conhecer pessoas de outras equipes, quem faz o quê e como eles podem ajudar uns aos outros para atingir os objetivos da empresa. Outras atividades que reúnem equipes incluem a combinação de equipes semelhantes sob co-chefes, ou co-localização de equipes que podem se beneficiar da proximidade física, como no caso de empresas que mantêm equipes de vendas e marketing juntas. Organizar eventos corporativos também pode promover a colaboração, construir confiança e encorajar relacionamentos entre equipes.
Envolva a liderança
Pessoas em equipes diferentes provavelmente não colaborarão e permanecerão em silos, a menos que vejam suas lideranças modelando comportamento colaborativo. Os líderes da empresa precisam dar o exemplo para demonstrar que esperam um trabalho multi-funcional em equipe e o compartilhamento de informações entre seus funcionários. Os líderes podem apoiar uma maior colaboração das seguintes maneiras:
- Fale sobre metas compartilhadas entre equipes
- Designe um ou dois membros da equipe para manter outra equipe informada sobre um projeto importante
- Comunique-se regularmente e passe tempo com líderes de outras equipes
- Reconheça e recompense os indivíduos que demonstram colaboração com outras equipes
- Incorpore ferramentas de colaboração
Na era digital, há uma variedade de ferramentas de colaboração no local de trabalho que podem reunir equipes na nuvem, tornando mais fácil o compartilhamento de ideias e informações.
As ferramentas de colaboração digital podem ser particularmente úteis na unificação de equipes e indivíduos remotos. Alguns exemplos incluem:
- Plataformas de gerenciamento de projetos com recursos de chat e quadro branco virtual
- Documentos compartilhados que permitem que várias equipes acessem e colaborem em apresentações, propostas e planos de projeto
- Ferramentas de gerenciamento de dados que incorporam dados de outras plataformas – por exemplo, um CRM que se integra aos painéis da empresa usados por várias equipes
Mude mentalidades e comportamentos com treinamento
Uma ótima maneira de ajudar os funcionários a se libertar dos silos é treiná-los para se envolverem em comportamentos que apoiem mais o trabalho em equipe e colaboração. Com a ajuda do treinamento de responsabilidade, comunicação e liderança, para citar alguns, os funcionários podem aprender mais sobre os perigos dos silos, ver os benefícios da colaboração e praticar técnicas úteis para quebrar os silos no trabalho.
Silos organizacionais impedem a inovação e o crescimento. Eles também limitam o sucesso dos indivíduos, impedindo-os de perceber os benefícios positivos do trabalho em equipe e da colaboração. Ao usar estratégias que incentivam os indivíduos a se considerarem parte de uma equipe organizacional mais ampla, uma colaboração mais multifuncional pode se tornar uma realidade.
Considerações finais sobre como as redes sociais nos afetam
“Devemos sair de nossa tendência de teorizar sobre como a mídia social nos afeta e desenvolver uma compreensão científica rigorosa de como funciona.” – Sinan Aral, MIT Sloan professor
Para evitar os excessos das influência de tais redes em nossas vidas, precisamos, em primeiro lugar, buscar conhecimentos que tragam uma maior consciência sobre como ela opera. Em seguida, está o uso moderado e equilibrado dessas ferramentas, procurando manter contato não apenas com pessoas que pensam como você, mas também com ideias divergentes. Na sequência estão a postura e o comportamento nas redes, procurando atuar de forma construtiva, incentivando e ajudando as pessoas, evitando críticas desnecessárias, tendo o cuidado de ler e analisar as informações recebidas antes de apoiá-las ou repassá-las, principalmente se forem falsas, maldosas ou mentirosas. Enfim, contribuindo sempre que possível de forma positiva e proativa durante a utilização de tais ferramentas.
Autor
Nei Grando – diretor executivo da STRATEGIUS, é consultor e palestrante em estratégia, inovação, transformação digital, organizações exponenciais e cidades inteligentes; pesquisador em inteligência artificial; conselheiro de empresas e mentor de startups. Autor do blog neigrando.com – Mestre em ciências pela FEA-USP, graduado em TI pela UEM, com MBA em Administração pela FGV e cursos de extensão em Estratégia e Gestão do Conhecimento (FGV) e Inovação e Redes Sociais (ESPM). Teve duas empresas de software e soluções de TI, onde conduziu o desenvolvimento de portais e plataformas digitais de negócios, internet-banking, home broker, CRM, GED, GC e outros. É o organizador e um dos autores do livro “Empreendedorismo inovador”, e autor em outros três. Como professor, ministrou as disciplinas de “Strategic Thinking” e “Planejamento Estratégico” em curso MBA da FIAP, “Intelligence Driven Decision“ e atualmente “Fundamentos de Inteligência Artificial” em curso MBA da ESPM e como prof. convidado, no curso “Laboratório de Startups” do CIC-ESPM.
Referências:
[1] Aral , Sinan Kayhan. The promise and peril of The Hype Machine, MIT Management Sloan School.
[2] Site Oficial NetFlix, Documentário. O Dilema das Redes.
[3] Gould, Wendy Rose. Are you in a social media bubble? Here’s how to tell.
[4] Cornett, Ian. 6 Strategies for Breaking Down Silos in Your Organization.