Effectuation – Aprendendo a empreender ao fazer o negócio acontecer

A decisão de iniciar um negócio está associada em assumir riscos e incertezas. Estas incertezas ocorrem devido ao conhecimento incompleto dos diversos aspectos do negócio e aos fatores imprevisíveis e inesperados que surgem e precisam ser geridos durante a evolução do negócio.

Saras Saravasthy em 2001 identificou e desenvolveu um modelo de decisão que envolve processos de effectuation ao invés dos processos do causation na criação de novas empresas. Para ela processos de causation tomam um efeito em particular e se concentram em selecionar entre os meios disponíveis para criar esse efeito, enquanto que processos de effectuation tomam um conjunto de meios disponíveis e se concentram em selecionar entre os possíveis efeitos que podem ser criados a partir desse conjunto de meios.

Para ajudar a esclarecer e distinguir entre os dois tipos de processos, Saravasthy fornece um exemplo simples de uma chefe de cozinha que recebeu a tarefa de preparar o jantar. Então apresenta duas formas de como a tarefa pode ser organizada. Na primeira, o anfitrião ou cliente escolhe um menu com antecedência. Com isso a chefe precisa listar os ingredientes necessários, compra-los, e, em seguida, realmente cozinhar a refeição. Este é um processo de causation. Ela começa com um determinado menu e foca na seleção entre formas eficazes para preparar a refeição. Na segunda forma, o anfitrião pede à chefe para procurar nos armários da cozinha possíveis ingredientes e utensílios e, em seguida, preparar uma refeição. Aqui, a chefe tem de imaginar possíveis menus com base nos ingredientes e utensílios disponíveis, selecionar o menu e, em seguida, preparar a refeição. Este é um processo de effectuation. Ela começa com dados ingredientes e utensílios e se concentra em preparar uma das muitas possíveis refeições.

24-7restaurantdelhi

Indo um pouco mais a fundo, Saravasthy apresenta um caso imaginário de uma empreendedora que deseja montar um restaurante indiano tipo fast food numa grande cidade. Na visão de processos causation, para implementar essa ideia, a empreendedora deveria começar com um universo de todos os potenciais clientes e a seguir considerar o procedimento proposto por Kotler, conhecido no marketing como STP, uma abreviação de segmentação, definição de público alvo (targeting) e posicionamento para levar um novo produto / serviço ao mercado existente e que consiste dos seguintes passos:

  1. Analisar as oportunidades de longo prazo no mercado;
  2. Pesquisar e selecionar mercados-alvo:
  • Identificar variáveis de segmentação e segmentar o mercado;
  • Desenvolver perfis de segmentos resultantes;
  • Avaliar a atratividade de cada segmento;
  • Selecionar o segmento (ou os segmentos) alvo;
  • Identificar possíveis conceitos de posicionamento para cada segmentos-alvo;
  • Selecionar, desenvolver e comunicar o conceito de posicionamento escolhido;
  1. Desenvolver estratégias de marketing;
  2. Planejar os programas de marketing;
  3. Organizar, implementar e controlar o esforço de marketing.

Ou seja, seguindo o STP a empreendedora poderia começar selecionando diversas variáveis de segmentação relevantes, tais como a demografia, bairros residenciais, origem étnica, estado civil, nível de renda e padrões de comer fora. Com base nisso, ela poderia enviar questionários aos bairros selecionados e organizar grupos de foco. Analisando as respostas aos questionários e grupos de foco, ela poderia chegar a um exemplo de segmento-alvo como famílias abastadas, tanto indianos e outros, que comem fora de casa pelo menos duas vezes por semana. Isso iria ajudá-la a determinar suas opções de menu, decoração, horário de atendimento, e outros detalhes operacionais. Ela poderia então preparar campanhas de marketing e vendas para induzir seu segmento-alvo a experimentar seu restaurante. Poderia também visitar outros restaurantes de comida indiana e fast food, encontrar algum método de questioná-los e então desenvolver previsões de demanda plausíveis para seu restaurante planejado. Em qualquer caso, o processo envolveria uma quantidade considerável de tempo, esforço analítico e recursos para a pesquisa e para a implementação das estratégias de marketing.

exemplo-generico-de-modelo-de-negocios-de-um-restaurante
Vide: A importância da modelagem de negócios

Em vez disso, se a nossa empreendedora usasse processos effectuation para construir o restaurante, ela teria de prosseguir na direção oposta. Por exemplo, em vez de começar com o pressuposto de um mercado existente e investir dinheiro e outros recursos para projetar o melhor restaurante possível, ela começaria a examinar um conjunto particular de meios ou causas disponíveis para ela. Se ela tivesse poucos recursos monetários, deveria pensar criativamente a forma de levar a ideia ao mercado com o mínimo de recursos possíveis. Ela poderia fazer isso convencendo um restaurante estabelecido se tornar um parceiro estratégico ou fazendo apenas uma pesquisa de mercado suficiente para convencer um financiador em investir o dinheiro necessário para iniciar o restaurante. Outra forma seria entrar em contato com um ou dois amigos ou parentes que trabalham no centro e levar a eles e seus colegas do escritório um pouco da sua comida para experimentarem. Se as pessoas no escritório gostassem de sua comida, ela poderia ter um serviço de entrega (delivery) de almoço em andamento. Com o tempo, ela poderia desenvolver uma base de clientes suficiente para começar um restaurante. Caso venha descobrir que as pessoas que disseram gostar de sua comida realmente não gostam tanto quanto da sua personalidade peculiar, conversa e suas percepções de vida incomuns, a empreendedora poderia por exemplo, decidir desistir do negócio almoço e começar a escrever um livro, seguir num circuito de palestras e, eventualmente, construir um negócio na indústria de consultoria motivacional. Ou seja, mesmo começando com um conjunto diferente de incertezas a empreendedora pode acabar construindo um outro negócio.

Isto significa que a ideia original (ou conjunto de causas) não implica em um único universo estratégico para a empresa (ou efeito). Em vez disso, o processo de effectuation permite ao empreendedor criar um ou mais diversos possíveis efeitos independentemente do objetivo final generalizado com a qual começou. O processo permite ao tomador de decisão realizar vários efeitos possíveis e também mudar seus objetivos, de forma que os construa ao longo do tempo, usando as contingências que possam surgir.

Versão em inglês: “Effectuation — Learning to undertake while doing business happen

Se gostou, por favor, compartilhe! Abraço, @neigrando

Sobre o autor

Nei Grando teve duas empresas de tecnologia, é mestre em ciências pela FEA-USP com MBA pela FGV, organizador e autor do livro Empreendedorismo Inovador, é mentor de startups e atua como consultor, professor e palestrante sobre inovação e negócios.

Detalhes: aqui, Contato: aqui.

Referências a artigos acadêmicos

  • Sarasvathy, S. D. (2001). Effectual reasoning in entrepreneurial decision making: existence and bounds. In Academy of management proceedings (Vol. 2001, No. 1, pp. D1-D6). Academy of Management.
  • Kotler, P. (1991). Marketing management. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.

Links

Movimento por um “Brasil + Empreendedor“ e mais inovador

Estou feliz por estar participando ativamente de mais um trabalho desenvolvido em cocriação com dezenas de entusiastas e especialistas em Empreendedorismo. Trata-se do movimento Brasil + Empreendedor que resultou em um documento de sugestões que foi lançado no palco Startup & Makers da Campus Party Brasil 2015 e está sendo entregue às principais lideranças do país. Acreditamos que os governos, em todas as suas esferas e poderes, podem  e devem  incentivar a inovação contínua para que as micro e pequenas empresas possam ganhar competitividade.

Brasil_mais_Empreendedor

O documento emergiu como resultado de uma iniciativa horizontal (sem hierarquia ou chefes) e apartidária (sem vínculo com partidos políticos ou coligações) e auto-organizada de empreendedores de todo o Brasil que tem como objetivo criar, acelerar o crescimento e desburocratizar processos para facilitar a vida e o trabalho do empreendedor brasileiro.

Desejamos, por meio desta iniciativa, reforçar ações que já estão em andamento em diversas entidades brasileiras.

No texto do conteúdo buscamos organizar as condições para se conseguir determinar se um ambiente é propício ao empreendedorismo. Para isso partimos de um framework, estruturado pela Endeavor Brasil, que considera sete pilares que ajudarão aos leitores perceberem em quais deles as suas forças devem ser concentradas, além de identificar oportunidades de negócios.  Os sete pilares são: Ambiente Regulatório, Acesso ao Capital, Mercado, Inovação, Infraestrutura, Capital Humano e Cultura Empreendedora.

Continuaremos usando o conceito da melhoria continua, pois haverá revisões por líderes e especialistas.

Já conseguimos apoio de veículos de imprensa, organizações e entidades públicas e privadas, mas ainda precisamos da sua contribuição para entregar o documento para lideranças do Poder Público que você tem contato. Para isso basta fazer o download e encaminhar por e-mail, ou imprimir e entregar em mãos.

Vejam o vídeo, e a apresentação com o resumo dos sete pilares, leiam o documento, compartilhem e divulguem! Esse é o caminho para um Brasil + Justo, Equilibrado e Empreendedor – e para que possa se destacar no cenário mundial.

Se gostou do artigo, por favor, compartilhe.

Abraço, @neigrando

Links relacionados:

Outros artigos:

A relação de Produtos com Canais nos novos modelos de negócio

Introdução

Na introdução do livro “The Startup Owner´s Manual”, Steve Blank e Bob Dorf nos apresentam uma relação muito interessante entre Produtos e Canais. Eles mostram a evolução recente dos mesmos e o que isto significa para inovadores e empreendedores de startups. Este artigo resume isso com uma figura/quadro e uma breve descrição sobre as intersecções entre os tipos de produtos e canais.

Novos canais e novos produtos

Por muitos séculos os produtos foram objetos físicos os quais as pessoas podiam tocar, tais como alimentos, vestuários, artigos domésticos, veículos, equipamentos, livros, etc. E estes produtos chegavam aos consumidores através de canais físicos, tais como vendedores visitando potenciais clientes e clientes ou estes prospects/clientes visitando lojas físicas ou feiras. Na célula (1) da figura/quadro, isto é representado na intersecção de Canais Físicos com Produtos Físicos.

Um avanço no comércio foi a invenção de produtos que são idéias ou promessas que não existem na forma física, tais como seguro de vida e de saúde, ações de empresas, títulos e mercado futuro (commodities).

A partir de 1970, softwares começaram a ser vendidos sem vínculo com algum computador (hardware) em particular. E a capacidade de se comprar bits surgiu como um novo conceito. Por si só estes bits são inúteis, mas combinados com um computador, na forma de aplicações de software, bits resolvem problemas ou divertem pessoas, como por exemplo: processadores de texto, gerenciadores de planilhas eletrônicas, jogos, etc. Tais softwares de apoio ao trabalho ou de entretenimento, na forma de bits, foram vendidos aos consumidores através de lojas do varejo especializadas em software para computadores, ou seja, um canal físico.

Nesta categoria podemos também incluir os softwares vendidos para resolver os problemas das empresas, como os de acesso a banco de dados, automação da manufatura, automação de vendas. Na célula (2) da figura/quadro, isto é representado na intersecção de Canais Físicos com Produtos Virtuais/Bits.

A internet possibilitou o surgimento de uma nova forma de canal de vendas, e surgiram então novas empresas com a proposição de valor de vender produtos físicos via Web (e-commerce). Como exemplo de tais empresas temos  Amazon, Dell, Zappos e tantas outras empresas de comércio eletrônico preenchendo este novo nicho. Este novo canal de vendas afetou massivamente os canais existentes de distribuição física de produtos como livros e música. Na célula (3) da figura/quadro, isto é representado na intersecção de Canais Web/Mobile com Produtos Físicos.

Na última década uma nova forma de comercialização surgiu, onde ambos, o produto e o canal são bits. Isso, somado ao barateamento dos custos de equipamentos e infraestrutura de rede, o surgimento da computação nas nuvens (cloud computing), mídia digital e dispositivos móveis – facilitou que Startups, empresas de tecnologia digital, pudessem ser criadas investindo-se milhares ao invés de milhões de dólares, e colocadas em funcionamento em alguns meses ao invés de anos. Com isso aconteceu “uma segunda revolução industrial”, com um aumento considerável do número de startups fundadas a cada ano.  Novas aplicações facilitaram via Web as interações de redes sociais que só existiam face-a-face. Produtos como máquinas de busca na web, tais como Google e Bing existem somente na forma virtual/bits usando canais web/mobile. Vide célula (4) da figura, que representada isto na intersecção de Canais Web/Mobile com Produtos Virtuais/Bits.

Os empreendedores descobriram então que se uma startup atuar com produtos virtuais/bits em canais web/mobile,  ela poderá mudar, testar e otimizar muito mais rapidamente seu produto e os diferenciais de sua oferta, principalmente se utilizarem as novas técnicas para Modelagem de Negócios e Desenvolvimento do Cliente.

A seguir apresento uma breve descrição sobre canais e sobre proposição de valor para produtos e serviços.

Sobre Canais

Os canais implicam a forma como uma empresa se ​​comunica com e alcança seus segmentos de clientes para oferecer uma Proposta de Valor.

Canais de Comunicação, Distribuição e Vendas incluem uma interface da empresa com os clientes. Os canais são pontos de contato que desempenham um papel importante na experiência do cliente.

Os canais têm várias funções, incluindo:

  • Sensibilizar os clientes sobre os produtos da empresa e serviços.
  • Ajudar os clientes avaliar uma proposição de valor da empresa.
  • Permitir que os clientes comprem produtos e serviços específicos.
  • Apresentar uma proposta de valor para os clientes.
  • Fornecer suporte ao cliente pós-compra.

Encontrar a combinação correta de canais para atender como os clientes querem ser alcançados é fundamental para trazer uma proposta de valor para o mercado. Uma organização pode escolher entre alcançar seus clientes através de seus Canais Próprios, através de Canais Parceiros, ou através de uma combinação de ambos. Canais Próprios podem ser diretos, como uma força de vendas interna ou um site, ou podem ser indiretos, tais como lojas de varejo próprias ou operadas pela organização. Canais Parceiros são indiretos e abrangem uma vasta gama de opções, tais como distribuição por atacado, a varejo, ou sites dos parceiros.

Canais Parceiros conduzem a margens menores, mas permitem que uma organização expanda seu alcance e os benefícios de parceiros fortes. Canais Próprios e, em particular as vendas diretas têm margens superiores, mas podem ser caros para implantar e operar. O truque é encontrar o equilíbrio certo entre os diferentes tipos de canais, para integrá-los de forma a criar uma grande experiência do cliente e maximizar as receitas.

Canais têm fases distintas. Cada canal pode abranger algumas ou todas essas fases.

Fases do canal:

  1. Consciência – Como podemos aumentar a conscientização sobre nossos produtos e serviços da empresa?
  2. Avaliação – Como podemos ajudar os clientes a avaliar a Proposição de Valor da nossa organização?
  3. Compra – Como podemos permitir que os clientes comprem produtos e serviços específicos?
  4. Entrega – Como é que vamos entregar uma Proposta de Valor para os clientes?
  5. Pós-venda – Como podemos oferecer apoio pós-venda ao cliente?

Tipos de canais:

  • Força de vendas
  • Vendas pela Web
  • Lojas próprias
  • Lojas parceiras
  • Atacadista/Distribuidor

Sobre Produtos/Serviços e diferenciais

Ao modelar um negócio, chamamos de Proposições de Valor (ofertas) os pacotes de produtos e serviços, bem como seus diferenciais, que criam valor para um segmento de clientes específico. A proposição de valor é a razão pela qual os clientes escolhem uma empresa em detrimento de outra. Ela resolve um problema ou satisfaz uma necessidade do cliente. Cada proposição de valor é composta de um conjunto selecionado de produtos e/ou serviços que atende às exigências de um Segmento de Clientes específico. Nesse sentido, a proposição de valor é uma agregação, ou pacote, de benefícios que uma empresa oferece aos clientes. Algumas proposições de valor podem ser inovadoras representando uma oferta nova ou diferenciada. Outras podem ser semelhantes às ofertas existentes no mercado, mas com características e atributos adicionais.

No artigo Proposta de Valor e Segmento de Clientes forneço uma lista de elementos que podem contribuir como diferenciais na criação de valor ao cliente.

Concluindo

Quando pensamos em inovar, principalmente em novos modelos de negócio, é necessário conhecer os elementos que compõe e interferem no negócio. Os canais quando combinados com produtos/serviços diferenciados podem fazer toda a diferença no sucesso do empreendimento.

Sobre mim: aqui, Contato: aqui.

Se gostou, por favor, compartilhe! Abraço, @neigrando

Veja também: